A história do jovem Ícaro Amorim, de Imperatriz (MA), é cheia de emoções que se confundem com a entrada da Educação Inclusiva na agenda do Instituto, a partir do projeto com os jogos de Educação Financeira. Uma história inspiradora, de muita luta, coragem e perseverança.
Mas, para contar essa história desde o início, é preciso voltar ao dia 18 de fevereiro de 2011. Aos 4 anos, Ícaro era uma criança em pleno desenvolvimento quando um bebedor (desses grandes com quatro torneiras) caiu em sua cabeça, causando um severo traumatismo craniano, afetando todo o lado esquerdo de seu cérebro.
Três meses depois, após uma cirurgia de descompressão facial, sobreveio uma série de tratamentos e também de desdobramentos: crises convulsivas, Transtorno Desintegrativo da Infância (considerado um Transtorno do Espectro Autista – TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA). Ícaro também teve paralisia no rosto e desenvolveu ecolalia, uma forma de afasia em que o paciente repete mecanicamente palavras ou frases que ouve, muitas vezes fora de contexto.
Como era de se esperar, esse acontecimento mudou para sempre a vida de Ícaro e de sua mãe, a professora da rede pública do município Janete dos Santos Oliveira. Após o acidente, ela se tornaria também uma vigorosa ativista na causa da inclusão, tendo em seu currículo uma série de políticas públicas inclusivas implementadas (algumas delas reportadas aqui no EFF) e outras tantas batalhas judiciais vencidas. “Em 2016, tive que acionar o judiciário para que o Ícaro pudesse ter um Plano Educacional Individualizado (PEI). E em 2019, precisei entrar com outro processo requisitando a redução de carga horária, para poder acompanhar melhor o Ícaro”, explicou.
Foram anos de altos e baixos na evolução do quadro, que deixou sequelas, especialmente na comunicação e na socialização. Nos dez anos seguintes ao acidente, sua frequência escolar oscilava muito, segundo Janete. Em 2019, Ícaro passou para o estudo domiciliar e lá ficou pelos três anos seguintes, durante todo o período da pandemia.
Tudo começou a mudar em 2022, quando Janete, endividada com contas de hospitais e clínicas, resolveu fazer o curso EaD (Ensino à Distância) de Introdução à Educação Financeira do IBS e levou o jogo Piquenique para casa. “Convidei o Ícaro para me ajudar a estudar a regra do jogo. Toda tarde fazíamos uma partida guiada”, lembra ela que, após concluir o curso, aprendeu a organizar melhor suas finanças.
Quando aprendeu a jogar, um novo mundo se abriu para Ícaro. “Quando joguei pela primeira vez foi incrível! Um aprendizado que mudou a minha vida e me ensinou o olhar da Educação Financeira”, define ele.
Desde aquela época, ele já sonhava em ser monitor no IFMA (Instituto Federal do Maranhão) mas, devido às suas comorbidades, não poderia concorrer à vaga. É aí que as cartas e tabuleiros entraram como peças-chave para efetivamente virar o jogo.
Depois de muito jogar, participar de diversos debates sobre os jogos e dominar todas as regras, em 2023, Ícaro estava pronto para o desafio: Janete o tornou um monitor de Educação Financeira, e ainda trouxe a reboque o tema da inclusão, que ele já desenvolvia no projeto Cidadania e Inclusão de Autistas nas Escolas (CIAE). “Foi incrível ensinar a minha prática para outros alunos! Percebi, com estudo de caso, a dificuldade de cada aluno e fui adaptando”, explica ele.
Esse novo desafio teve reflexos decisivos em sua saúde. Além de encontrar um propósito, essa atividade o afastava de situações de estresse, que é o principal gatilho para as crises convulsivas: “Antes ele tinha mais de 90 crises convulsivas por ano [quase duas por semana]. Depois de virar monitor, ele diminuiu muito as suas internações em hospitais e passou a ficar muito mais tempo em sala de aula. Em 2025, Ícaro só teve uma crise”, confirma Janete.
Dito isso, ficamos diante de uma pergunta inescapável: seria exagero dizer que a recuperação de Ícaro se divide entre “antes dos jogos” e “depois dos jogos”? Janete se apressa em eliminar qualquer dúvida: “Depois de virar monitor dos jogos, Ícaro melhorou na socialização, na cooperação, na responsabilidade, ficou mais confiante. Ele nunca gostou de tirar fotos devido à paralisia facial, mas nas aulas de Educação Financeira, ele esquece disso e aparece sempre sorrindo. Temos uma nova vida, e essa é uma vida muito melhor.”
Hoje, aos 19 anos, Ícaro tem ido com alguma frequência a São Luís para dar palestras sobre autismo no AEE (Atendimento Educacional Especializado). Ele também segue com sua atividade de monitor de Educação Financeira na escola João Silva e, agora em agosto, sua atuação com os jogos acaba de ser retratada no filme Virando o Jogo, cuja estreia ele veio prestigiar ao lado da mãe em São Paulo.
“A emoção de estar no documentário é muito grande! Espero poder ajudar e colaborar com a transformação educacional e a inclusão de pessoas autistas e atípicas no espaço escolar. É também uma forma de agradecer à minha mãe”, comemorou Ícaro.
Nos materiais de Educação Financeira do Instituto, os jogos são descritos como ferramentas pedagógicas capazes de transformar a vida financeira das pessoas. Ícaro e Janete não apenas personificam isso, como elevaram essa transformação a um outro nível, tornando os jogos uma ferramenta essencial de inclusão – e por que não dizer, um antídoto contra o capacitismo.
“Esse acidente mudou a minha vida. Perdi um filho e ganhei outro. Todo dia é um novo dia. A minha missão é falar em inclusão e melhorar a vida das famílias que precisam”, finaliza Janete.
De fato, Ícaro e Janete nos ensinaram: todo dia é um novo dia para virar o jogo.